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"Saudade dói, mas sei que ela está em um lugar lindo", diz mãe de Ágatha

Ágatha Félix - Reprodução/Instagram
Ágatha Félix Imagem: Reprodução/Instagram

Nathália Geraldo

De Universa

31/03/2020 17h55Atualizada em 31/03/2020 18h11

Na madrugada de 21 de setembro do ano passado, Ágatha Félix morreu após ter sido atingida por um tiro, posteriormente identificado como tendo sido disparado por um PM, quando estava dentro de uma Kombi com sua mãe, Vanessa Sales Félix, no Complexo do Alemão, zona norte da capital fluminense.

Por conta da divulgação de uma foto em que ela aparece usando uma fantasia de heroína, a menina que jogava xadrez, fazia balé e "tinha uma voz encantadora", como contou mãe hoje para Universa, ficou conhecida como a "Ágatha Maravilha". "Ela era uma menina amorosa, e digo que manhosa. Aquela manha deliciosa, com uma voz encantadora."

Nesta terça-feira (31), ela completaria 9 anos. Era para ser um dia em que os familiares estariam se preocupando com a organização de "um bolinho" para ela que, segundo a mãe, foi bastante compreensiva quando a celebração não aconteceu como queria, no ano passado — a família havia trocado a menina de escola, para uma particular, e não tinha dinheiro para uma festinha.

Neste ano, Vanessa queria que o aniversário da filha fosse também o dia de uma ação social no Complexo do Alemão, inclusive com distribuição de brinquedos para as crianças — uma proposta que tinha sido ideia de Ágatha para a mãe. Mas a pandemia adiou o ato.

Parte das fotos dessa matéria, diz Vanessa, são de um book que a menina fez para se tornar modelo no mesmo mês em que morreu — elas foram publicadas por Vanessa nas redes sociais como uma forma de homenageá-la. A seguir, a mãe conta sua história.

Festa de Ágatha: todo ano, um bolinho

Agatha Félix - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

"Hoje é um dia difícil e emocionante aqui. Essa era uma data em que todos estariam se mobilizando para fazer uma festinha de aniversário. Montar painel, pegar bolo, ver lembrancinha, roupa. Um corre-corre para dar tudo certo. Ágatha via tudo aquilo e não se engrandecia, porque para ela era tudo singelo, feito de coração. E aí, a gente sempre fazia um bolinho para ela. No final do ano, já pensávamos em como seria o do outro ano, e aí juntava dinheiro daqui, minha irmã inteirava, meu marido pegava dinheiro. E, com isso, eu também me realizava nela.

Mas, no ano passado, a gente não fez o tal bolinho. Porque no começo do ano, eu quis mudar ela de colégio, colocá-la em um particular, aí a grana foi praticamente para matrícula e para material. Eu expliquei isso para ela, disse que não ia ter festa porque ela ia para lá, onde faria muitas atividades, que iria gostar. Ela entendia quando eu falava, porque sabia que era para o bem dela.

Então foi assim: o aniversário dela caiu num domingo. Sábado à noite, fomos para um parque, voltamos para casa e antes da meia-noite já cantamos parabéns, e ela começou a abrir os brinquedos. No domingo, cedo, eu fiz um bolo caseiro, chamei os priminhos e ela ficou brincando. À tarde, como ela gostava muito de pizza, a gente foi numa pizzaria. Ela era uma menina que entendia tudo, graças a Deus.

Ela fez um book: "Você é muito linda, muito inteligente"

Em setembro, ela fez um book como modelo. Eu sempre falava para ela que ela era linda, muito inteligente. Dizia: 'Filha, você ainda vai ser uma pessoa muito conhecida'. Um dia, estávamos passeando no shopping e um modelo disse pra gente tirar uma foto dela. Enviaram para uma agência, e depois de uns dias, disseram para a gente ir lá fazer o book.

Ágatha Félix - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Chegando lá, me disseram que ela já estava aprovada, que nem precisaria fazer teste. Mas precisava de fotos novas, porque ela já tinha feito um book aos 4 anos. Ela se amarrou e eu e a tia dela babando. Falaram que ela tinha todo o perfil, a sobrancelha, o cabelo, os dentes, tudo para ser modelo. Só precisaria fazer um curso para para ver a postura dela.

A família de Agatha, o dia a dia

A minha irmã era meu braço direito para cuidar dela. Minha sogra ficava com Ágatha para eu ir trabalhar, mas levar ao balé, ao inglês, era minha irmã que fazia. Eu trabalho, como assistente operacional, e faço faculdade, mas estava de férias quando teve o acontecido com ela, por isso que a gente estava voltando de um passeio.

Agatha Félix - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Meu marido tem um comércio aqui no Alemão, nossa filha estava no terceiro ano do colégio. Foi nele que ela aprendeu a jogar xadrez, disseram até que ela ia participar de um campeonato. Não deu tempo.

Sobre os estudos, eu gostava de falar para ela que eu estava me aprimorando, porque faço curso de Gestão Hospitalar, e falava que ela tinha que ser assim também. Quando ela fez a mudança eu nem quis que ela voltasse a série, me deu um pouco de medo no começo, porque seriam novas matérias. Mas ela se mostrou tão inteligente logo nos primeiros meses! Ela só tirava oito, nove, dez em tudo e adorava matemática.

Saudade de mãe

Vanessa e Ágatha - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Imagem: Reprodução/Instagram

Só quem já passou ou passa uma coisa assim sabe. Hoje, a saudade dói, parece que meu coração está cortado no meio. Chorei ontem e hoje de manhã. Pedi a Deus para ele aquietar meu coração, porque sei que ela está em um bom lugar, não está fisicamente aqui, mas um dia vou encontrá-la. Eu entendo que ela está em um lugar lindo, vivendo maravilhosamente bem. Mas é difícil porque sou um ser humano, e sinto a falta dela fisicamente. Ela era meu grude.

Eu sou muito espiritualizada, então, hoje, assisti a um culto, fiz atividade física, porque preciso trabalhar meu corpo e mente. Não quero me isolar, preciso continuar vivendo, seguindo em frente lutando por ela, por justiça.

Eu oro muito, peço a Deus para que a memória de Ágatha seja preservada. Ela foi embora precocemente. Foi de forma cruel. Mas ao mesmo tempo, eu vejo que foi assim para realmente agitar, comover o mundo — para que isso não aconteça com outras crianças dentro das comunidades. Meu apoio para a luta vem primeiro de Deus, depois da minha família e de outras pessoas, como a Monica Cunha, que também teve o filho levado precocemente e luta pelos direitos humanos.

Ação social

Hoje, a gente ia fazer uma ação social, que precisou ser cancelada. Deixa acalmar essa pandemia, ela vai acontecer. E a ideia foi da Ágatha. No ano passado, ela me disse: 'E se a gente doasse os brinquedos que eu não uso mais para um orfanato?'. Infelizmente, não aconteceu.

Depois do ocorrido, no outro mês eu pensei que a gente podia fazer isso no aniversário dela. Não deu, mas não posso reclamar, porque eu sei que os meus planos não são iguais aos de Deus.

Projeto de Lei Ágatha Felix

E quero comentar sobre a importância de ter uma proposta Ágatha Félix, como tem sido chamada [há um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Rio que prevê tramitação prioritária na Polícia Civil aos procedimentos investigatórios que visem à apuração e responsabilização de crimes contra a vida e outros crimes em que tenha mortes, mesmo tentadas, de crianças e adolescentes. Ele está na Comissão de Segurança Pública e Assuntos de Polícia].

No meu caso, eu fui agraciada por ter sido movida com tantas orações e a Justiça está acontecendo, demorando, mas está. Que não aconteça com mais nenhuma criança, mas esse projeto serve para que aquelas mães que perdem seus filhos não pensem que o caso delas não é importante".